Técnicas de Purificação

KRIYAS - KRIYASANAS - SATKRIYAS

Kriyāsanas são posturas corporais (āsanas) utilizadas dentro de certos sistemas de yoga — especialmente nos mais ligados ao hatha yoga e ao yoga tântrico — como parte de técnicas de purificação interna (kriyā).

O termo vem da junção de:
• kriyā: ação, prática purificadora, processo;
• āsana: postura estável e confortável.

Enquanto os āsanas clássicos do yoga (como descritos por Patañjali) têm foco principal na estabilidade, firmeza e conforto para a meditação, os kriyāsanas são usados como ferramentas para preparar o corpo e o sistema energético, promovendo a purificação dos nāḍīs (canais sutis), o despertar da kuṇḍalinī e o equilíbrio dos doṣhas (segundo a medicina ayurvédica).

Características dos Kriyāsanas:
• São dinâmicos ou combinados com técnicas respiratórias (como bhastrikā ou kapalabhāti).
• Costumam estar associados a bandhas (fechos energéticos) e mudrās (selos gestuais ou posturais).
• Estão presentes em textos como o Gheraṇḍa Saṃhitā e o Haṭha Yoga Pradīpikā, que detalham essas práticas como parte de um processo de purificação (ṣaṭkarman).
• Seu propósito é desobstruir os canais de energia, ativar o fogo digestivo interno (agni), e permitir o fluxo harmonioso do prāṇa (energia vital).

Exemplos de Kriyāsanas (dependendo da tradição):
• Utkatāsana com bhastrikā (postura da força com respiração vigorosa)
• Tulasīāsana (postura da planta Tulasi, usada ritualmente)
• Algumas versões tântricas de mūlāsana, vajrāsana ou kukkuṭāsana aplicadas com bandhas.

Ou seja, kriyāsanas são posturas com um componente funcional e energético, usadas em práticas específicas para limpar, ativar e transformar o corpo-mente, sendo diferentes do enfoque mais "estático" e meditativo dos āsanas tradicionais.

A Gheraṇḍa Saṃhitā
É uma das principais escrituras do haṭha yoga, e nela o conceito de kriyāsanas aparece como parte de um sistema bem estruturado de sete disciplinas (sapta sādhana), cujo objetivo é a purificação completa do praticante.

No capítulo 2 da Gheraṇḍa Saṃhitā, o sábio Gheraṇḍa ensina āsanas a seu discípulo Canda Kāpālika, dizendo que existem 32 āsanas, e alguns deles têm características de kriyāsanas, pois vão além da postura estável: eles ativam processos internos de purificação energética ou digestiva.

Embora o texto não use explicitamente o termo kriyāsana como uma categoria separada, certas posturas são consideradas instrumentos de kriyā — como:
• Dhanurāsana (postura do arco)
• Mayūrāsana (postura do pavão), descrita como capaz de queimar doenças e toxinas.
• Kukkuṭāsana, que combina estabilidade com retenções respiratórias e ativa o calor interno.

A ênfase da Gheraṇḍa Saṃhitā é que o corpo deve ser purificado e fortalecido antes que o yogi avance para prāṇāyāma, mudrās, dhyāna, etc. Assim, os āsanas com função purificadora assumem o papel de kriyāsanas nesse contexto.

No Haṭha Yoga Pradīpikā:

O termo “kriyāsana” como uma categoria específica não é usado diretamente. No entanto, o conceito está presente de maneira implícita na prática das ṣaṭkriyās — as seis ações purificadoras descritas no capítulo 2 (versos 21 a 38).

Em algumas tradições, especialmente contemporâneas, certas posturas ou movimentos associados às ṣaṭkriyās são chamadas informalmente de kriyāsanas, mas isso é um desenvolvimento moderno ou pedagógico, não textual.

Embora o Haṭha Yoga Pradīpikā não use esse termo, podemos observar que:

• Algumas técnicas exigem posturas específicas ou ações corporais complexas, como na prática de basti ou nauli, que envolvem āsanas ativos, especialmente posturas de agachamento ou posições sentadas com bandhas.
• Isso pode ser considerado, em linguagem moderna, como "kriyāsanas" — ou seja, āsanas com propósito funcional de purificação, e não apenas estabilidade meditativa.

Diferenças Chave
A Gheraṇḍa Saṃhitā oferece explicações mais extensas, e às vezes diferentes métodos para a mesma kriyā.

• Ênfase corporal vs energética:
O Haṭha Yoga Pradīpikā enfatiza mais o equilíbrio de doṣhas e nāḍīs, enquanto a Gheraṇḍa Saṃhitā foca na purificação física e disciplinar completa.

• Termos alternativos:
Por exemplo, nauli é chamado de laulikī na Gheraṇḍa Saṃhitā, mas a técnica é a mesma.

• Sequência no caminho do yoga:
Gheraṇḍa coloca os ṣaṭkarmas como primeira etapa obrigatória de um sistema de 7 passos (sapta sādhanā);
Já o Haṭha Yoga Pradīpikā os trata como preparação opcional antes de prāṇāyāma e mudrās.

Resumindo Hatha Pradīpikā x Gheraṇḍa Saṃhitā:
• Algumas posturas são repetidas com nomes ligeiramente diferentes — o que indica variações ou ênfases distintas.
• A ênfase não é apenas física, mas energética e espiritual: a maioria das posturas tem efeitos sobre os nāḍīs, agni (fogo digestivo), kuṇḍalinī, e a mente.
• A purificação do corpo (śuddhi), tão enfatizada por Gheraṇḍa, é o objetivo principal dessa prática de āsanas, dentro do contexto das sapta sādhana (sete disciplinas para o yoga completo).